Confrontos em Tbilisi após Governo da Geórgia congelar adesão à UE até 2028

por Carla Quirino - RTP
Irakli Gedenidze - Reuters

A violência entre polícia de choque e manifestantes marcou a noite de quinta para sexta-feira na capital da Geórgia, após o Governo liderado pelo partido Sonho Georgiano ter anunciado que as negociações para a adesão à União Europeia ficariam fora da agenda política até ao final de 2028.

O sonho, por parte de muitos georgianos, da integração na União Europeia foi abalado por outro Sonho, o Georgiano, ou seja, o partido do Governo.

Após ganhar as eleições legislativas há pouco mais de um mês, o Sonho Georgiano suspendeu as negociações de adesão à UE até 2028, tornando-se um pesadelo para a oposição.

Bruxelas acusou o Governo de grave recuo democrático devido a várias leis aprovadas pelo Sonho Georgiano. Entre as novas disposições, estão as restrições a "agentes estrangeiros" e a diminuição de direitos da comunidade LGBT.A UE considerou que são normas autoritárias de inspiração russa e, por isso, resultam em obstáculos à adesão.

O primeiro-ministro Irakli Kobakhidze acusou, por sua vez, a UE de lhe ter dirigido "uma cascata de insultos", afirmando em comunicado que Bruxelas estava a usar uma estratégia nas negociações de adesão para "chantagear" e "organizar uma revolução na Geórgia".

"Decidimos não colocar a questão da abertura de negociações com a União Europeia na agenda até ao final de 2028. Além disso, recusamos qualquer subsídio orçamental da União Europeia até o final de 2028", clamou, por isso, o Executivo de Tbilisi.

A decisão ocorreu horas depois de Bruxelas ter solicitado a repetição das eleições parlamentares, citando "irregularidades significativas".

Perante esta tensão com o bloco dos 27, o Sonho Georgiano diz ter aprofundado os laços com Moscovo, embora venha sublinhar que “não é pró-Rússia e que está comprometido com a democracia e a integração com o Ocidente”.
"Russos" e "escravos", gritam manifestantes
As sondagens a anteceder as eleições de outubro mostravam que cerca de 80 por cento dos georgianos apoiavam a adesão à UE, antecipando vitória da Coligação pela Mudança, que reúne os quatro grupos de oposição do país. 

Nessa altura o bloco partidário considerava as eleições legislativas fundamentais, uma vez que o resultado ditaria uma escolha “entre a Rússia ou a Europa”. Porém, o Sonho Georgiano alcançou 54 por cento dos votos e a oposição contestou os resultados.Desde então, as denúncias de alegadas irregularidades eleitorais têm desencadeado múltiplos protestos.

Nas últimas horas, as manifestações subiram de tom após o Governo do Sonho Georgiano ter deixado claro que estavam congeladas quaisquer negociações relacionadas com a adesão à UE durante os próximos quatro anos.

O anúncio de Kobakhidze desencadeou protestos em cidades por toda a Geórgia, com milhares de pessoas a reunirem-se nas imediações do Parlamento na capital, bloqueando o trânsito e agitando bandeiras da União Europeia. Tbilisi acordou, na manhã desta sexta-feira, em estado de sítio.

A polícia de choque ordenou que os manifestantes desmobilizassem - alguns atiraram tochas contra a polícia, ao mesmo tempo que gritavam "russos" e "escravos", de acordo com a agência Reuters.As autoridades ripostaram com canhões de água, gás pimenta e gás lacrimogéneo enquanto jovens de rosto tapado tentavam entrar no Parlamento.

Porém, os confrontos não tiraram voz a muitos manifestantes. "O Sonho Georgiano não ganhou as eleições. Ele encenou um golpe", declarou Shota Sabashvili, de 20 anos, citada na BBC.

"Não há Parlamento ou governo legítimo na Geórgia. Não deixaremos que este autoproclamado primeiro-ministro destrua nosso futuro europeu", acrescentou.

Uma outra estudante, Ana, disse que o Sonho Georgiano está a "ir contra a vontade do povo georgiano e quer arrastar-nos de volta para a URSS". "Isso nunca vai acontecer porque o povo georgiano nunca deixará isso acontecer", acentuou.

Durante os confrontos, há registos de agentes encapuzados a disparem balas de borracha e a agredirem manifestantes, que tinham erguido barricadas às quais lançaram fogo. Os repórteres no terreno também não foram poupados.


O Ministério do Interior do país reportou que três polícias ficaram feridos e meios de comunicação locais relataram várias detenções.

A presidente georgiana, Salomé Zurabichvili, que está em rutura com o Governo, manifestou apoio ao movimento da oposição e, em  mensagem difundida no X, mostrou-se solidária com os "media georgianos que são alvos de forma desproporcionada e atacados em trabalho".
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